"E o espírito do SENHOR se retirou de Saul, e o assombrava um espírito mal, da parte do SENHOR." 1 Samuel 16.14
Você sabia que um "espírito mau" semelhante àquele que atormentava o rei Saul, e arruinou a vida desse monarca, está muito mais perto de cada um de nós do que imaginamos ou temos coragem de admitir?
Mas qual, ou o que, seria esse espírito mau? E por que o texto diz que ele era da parte do SENHOR?
Atualmente muitas pessoas estão sendo atormentadas por uma espécie de "espírito" mau, que infelizmente, assim como os indivíduos que viviam na época do antigo testamento, também consideram como sendo algo proveniente de Deus. Esse "espírito" está assombrando a mente e a vida de multidões inteiras por toda parte do planeta, inclusive dentro de muitas congregações, sem que essas pessoas nem mesmo desconfiem que isso está acontecendo com eles; porém, para que possamos ter um entendimento mais amplo sobre esse assunto, há algo muito importante que devemos notar nesse processo que está subjugando a grande maioria das pessoas na sociedade moderna.
E o que é?
Esse "espírito", não é exatamente um espírito, na mais plena acepção da palavra, porém, como é algo invisível aos olhos naturais, intangível, assim como imperceptível para todos os sentidos físicos das pessoas que não tenham despertado do sono hipnótico da sociedade, é muito comum que seja confundido com um espírito, uma vez que, no senso comum, um espírito é algo que não pode ser visto, mas de alguma maneira influencia às ações das pessoas.
Mas que "espírito" é esse?
O Ego humano.
Na época em que o texto de 1 Samuel 16.14 foi escrito, a palavra Ego e todo o entendimento por trás dela não era tão usada, ou compreendida, quanto nos nossos dias, de modo que as pessoas não tinham nenhuma familiaridade com esse termo e não conseguiam identificar claramente essa parte corrompida que operava através deles (ainda hoje a humanidade tem muita dificuldade nisso). Por esse motivo, ao se referir a essa parte da natureza humana, o texto citado usa a expressão "espírito mal, da parte do Senhor", em uma tentativa de apontar para algo corrompido que estava dentro daquele Rei, mas que era parte da humanidade dele, assim como está dentro de todos nós, é parte da nossa condição humana, e que vai nos atormentar, sem descanso, se não tivermos a devida consciência sobre a sua existência e efeitos nocivos na nossa vida.
Atualmente há bilhões de pessoas como Saul, sendo extremamente tentadas, importunadas, influenciadas, enganadas, atormentadas, machucadas, escravizadas e até mesmo destruídas pelo Ego que há nelas; pessoas que passaram tanto tempo alimentando e tentando satisfazer todas as inclinações desse "ser invisível" que habita dentro deles, que se colocaram em uma posição na qual tal Ego se tornou completamente soberano sobre eles, inflado, inflamado e inchado em si mesmo; ou seja, inebriado e "embriagado" por suas próprias paixões, ambições, ganâncias, ilusões, fantasias, delírios, frenesis, histerias, neuroses, obsessões, e muito mais, de um modo tão extremo que esse Ego, assim como todos os pensamentos, sentimentos, emoções, palavras e ações que ele produz, geralmente nocivas, acabam "possuindo" e manipulando, de maneira feroz, os indivíduos que os alimentam; levando tais pessoas a, inconscientemente, mas voluntariamente, criar resistência para o desenvolvimento ou a manutenção de um relacionamento saudável consigo mesmos, com as outras pessoas ao redor e até mesmo com o próprio Deus, exatamente como aconteceu com o famoso rei Saul. De fato, o Ego pode levar uma pessoa a cometer inúmeras insanidades e também pode, até mesmo, arrastar os indivíduos à loucura.
É claro que qualquer pessoa que esteja "vivendo" nesse nível de interação "simbiôntica" e abusiva com o Ego que há dentro de si torna-se uma pessoa extremamente difícil de lidar; de fato, essas são as pessoas que costumam dizer que possuem uma personalidade forte, um temperamento agressivo (passivo-agressivo), ou como eles mesmo tanto gostam de se definir: são pessoas com "sangue quente" correndo dentro das veias. Indivíduos que costumam ser movidos pela raiva, pela ira, ou pelo ódio, pela intolerância, pela intransigência, pelo orgulho, pelo entusiasmo, pela inquietação, pelo medo, pela tristeza, pela euforia, pelo desejo, pela arrogância, pela ambição, pela ganância, pela avareza, pela inveja, pelo ciúmes, pela religiosidade e muito mais. Veja como esse "espírito mau", o Ego, extremamente inchado, que se assumiu como rei de Israel na pessoa de Saul, se comportava, "possuindo" e usando tal rei, à vontade, como uma mera marionete, de uma maneira completamente irracional; está escrito em 1 Samuel 18.10-11:
"E aconteceu, ao outro dia, que o mau espírito, da parte de Deus, se apoderou de Saul, e profetizava no meio da casa; e Davi tangia a harpa com a sua mão, como nos outros dias; Saul, porém, tinha na mão uma lança. E Saul atirou com a lança, dizendo: Encravarei a Davi na parede...".
Nunca devemos subestimar a capacidade e a disposição do Ego humano para a maldade, (por isso é que ele foi mencionado como "um espírito mau"), pois é apenas para essa finalidade que ele existe, ainda que consiga se disfarçar muito bem sob um manto de suposta bondade. Note que no versículo citado acima, o rei Saul, completamente possuído pelo gigantesco Ego que havia nele, estava profetizando (como se estivesse sendo usado por Deus), mas logo em seguida, numa atitude completamente intempestiva, e insana, tenta matar Davi arremessando uma lança para transpassar o jovem músico.
Você conhece alguém intempestivo, alguém que "explode" com facilidade, alguém que está sempre à procura de confusão; alguém ciumento(a); alguém passional; alguém que fala sem pensar e age sem considerar as consequências? Conhece alguém que adora criar ou alimentar polêmicas? Provavelmente sim, todos nós conhecemos, talvez não pessoalmente, mas com certeza temos visto inúmeras dessas pessoas tanto na sociedade quanto dentro das mais diversas congregações, membros e, infelizmente, até líderes. Essas pessoas, assim como o antigo rei de Israel, também estão totalmente sob as garras e os tentáculos malignos do Ego que há neles, e se algo não for feito para romper a influência destrutiva e autodestrutiva desse "espírito mau", muitas dessas pessoas sucumbirão sob uma quantidade massiva de tormento (aflições de espírito) com a qual não terão condições de lidar. Porque a principal função dessa parte da nossa natureza humana, a nossa mente natural, é encontrar as mais diversas formas e maneiras, sutis ou deliberadas, de nos incomodar e perturbar o máximo possível.
Mas se o Ego é algo tão pernicioso assim, porque as pessoas não se livram dele?
Porque foram ensinados e condicionados (adestrados) desde a infância, pelo senso comum, de uma maneira que passaram a acreditar que o Ego que há neles, essa força invisível, opressiva e destrutiva, que eles nem mesmo sabem o que é, nem tampouco reconhecem que estão sendo governados por ele; seja parte integrante de quem eles são; em outras palavras, as pessoas acreditam que o Ego é a parte principal da identidade social que eles construíram desde cedo com tanto esforço e sacrifícios. De fato, como o Ego é algo natural que nasceu conosco, embora só desperte na metade da primeira infância, e use todo o resto da infância assim como nossa adolescência para se desenvolver, fortalecer, solidificar e potencializar, para que possa nos governar durante toda a nossa idade adulta; mesmo assim, como a maioria absoluta das pessoas que caminha sobre a face da terra vivem de maneira totalmente inconsciente, submersas no sono hipnótico da sociedade, não percebem a tão grande ameaça que o Ego representa para o bem-estar deles, e muitos até acreditam que essa parte corrompida da nossa natureza terrena seja algo que recebemos de Deus, uma vez que é algo que está em nós desde o nascimento.
A verdade é que o Ego, esse "espírito mau" da natureza humana, nada mais é do que aquilo que a Escritura Sagrada chama de carne, ele é o conjunto de todas as fraquezas da parte mais superficial da nossa mente natural, e nasceu conosco como resultado da corrupção herdada por toda a humanidade causada pela consumação do pecado original. No princípio, Deus criou o ser humano sem Ego, mas com a queda de Adão e Eva, toda a raça humana foi contaminada com as fraquezas decaídas da carne/mente, o Ego. Por esse motivo é que quanto "maior", ou seja, mais inflado em si mesmo, é o Ego de alguém, mais inclinada para as fraquezas da mente já citadas aqui, como o medo, a ambição, a ganância, a paixão, o orgulho, a vaidade, o ciúmes, a religiosidade e tantas outras, tal pessoa será. O Ego funciona como um "anti-Espírito", da mesma maneira que o Espírito atua como um "anti-Ego", por esse motivo, também, é que foi registrado o texto de Gálatas 5.17, que diz: "Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro...".
O Ego está sempre usando as mais diversas artimanhas, sutilezas, influências e manipulações internas para nos manter afastados das inspirações do Espírito, e assim fazer com que passemos toda a vida operando sempre no nível da mente natural e superficial, ou seja, no nível carnal; e isso nos torna completamente cegos, insensíveis, para toda a verdadeira ação do Espírito de Deus, tanto em nós quanto em toda parte ao nosso redor; por isso também foi escrito o texto de 1 Coríntios 2.14, que diz: "...O homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.". Quanto mais intenso o Ego de alguém se torna, mais essa pessoa se afasta da comunhão íntima, verdadeira e consciente, com o Espírito de Deus; e como resultado disso, mais o Ego ganha espaço para se estabelecer no interior da pessoa e enganar tal indivíduo com todas as suas ilusões, fantasias, sonhos e delírios repletos de todo tipo de vaidades e paixões para levar tal pessoa aos mais diversos erros, desvios, e é claro, sofrimentos. Também por esse motivo é que o texto de Provérbios 16.32b diz: "...Melhor é o que governa o seu espírito do que o que toma uma cidade.".
Governar esse espírito "mau", o Ego, é uma das coisas mais importantes que temos de fazer na vida, na verdade, é a diferença entre a salvação e a perdição de alguém; de fato, nenhuma pessoa dominada pelo Ego encontrará salvação, porque uma vez nessa condição, tal pessoa não estará vivendo no Espírito do SENHOR, mas sim no espírito do engano; e como diz o texto de Isaías 43.11: "...Eu sou o SENHOR, e fora de mim não há salvação.". Infelizmente, qualquer um que esteja sendo governado pelo Ego "viverá" de maneira desgraçada, miserável, pobre, cega e nua, mesmo que conquiste e acumule fortuna, status, luxo, poder, autoridade, influência, sucesso, fama e tudo o mais que a sociedade tem para oferecer. O rei Saul foi um exemplo claro dessas pessoas, pois alcançou todos os objetivos sociais que um homem pode desejar, mas não se dedicou a governar o Ego, ao contrário, foi intensamente governado por ele e permitiu que o Ego dentro dele se tornasse um monstro que o afastou tanto da comunhão interior com o Criador que, seus próprios pensamentos, sentimentos e emoções se tornaram em um grande tormento, dia e noite. E por mais triste que seja, Saul não foi o único, durante toda a história humana multidões sucumbiram ao peso titânico e tirânico do próprio Ego, e ainda hoje, muitos dentro das mais diversas congregações estão trilhando exatamente esse mesmo caminho, tanto membros quanto líderes.
E há como reconhecer o Ego em nós e nas pessoas ao nosso redor?
Sim. O Ego é escravo das aparências, ele é viciado em ostentar e acumular títulos, rótulos, cargos, bens e posses; ele gosta de impressionar, é perito em se fingir de santo ou de vítima, é paranoico, possui um ardente desejo de demonstrar sua religiosidade, inteligência, erudição, humildade, autoridade, bondade, sabedoria, capacidade e até espiritualidade. Mas todo esse conjunto de características, nem de longe, são as únicas desse "espírito mau", pois há muitas outras; por exemplo, no livro "Sociedade do cansaço", o autor e professor sul-coreano Byung-Chul Han diz que o Ego é hiperativo; e não é segredo para ninguém que o Ego humano sempre foi narcisista, mesmo quando manifesta tal "traço de personalidade" de maneiras muito sutis. Porém, essas são apenas algumas das características mais aparentes demonstradas pelo Ego tanto na sociedade atual como dentro das mais diversas congregações.
Pessoas realmente espirituais, cristãos genuínos, são aqueles que identificaram a existência desse Ego que, constantemente, de uma maneira ou de outra, os estava sempre atormentando, e se desvencilharam das garras dele, crucificaram a própria carne; como o texto de Gálatas 5.24 afirma, ao dizer: "E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.". Assim tais pessoas despertaram do sono hipnótico da sociedade, iluminaram a própria mente com a luz (consciência) que provém diretamente do Espírito de Deus, no qual está a Salvação, e por causa disso desenvolveram verdadeira sabedoria, discernimento, maturidade e tantas outras virtudes primordiais que os tornaram livres do carrossel de ilusões e da hierarquia dos enganos que assombram, atormentam e tiranizam a sociedade e muitas congregações.
Comentários
Postar um comentário